Chá de boldo-do-chile vs. boldo-brasileiro: qual utilizar para desintoxicar?

Compare o boldo-do-chile (Peumus boldus) e o boldo-brasileiro (Plectranthus barbatus) em termos de composição, mecanismos hepatoprotetores e segurança, para orientar sua escolha na desintoxicação hepática.

  1. Botânica e Diferenças entre as Espécies
  • Boldo-do-chile (Peumus boldus)
    • Família: Monimiaceae.
    • Árvore nativa das regiões temperadas do Chile, cujas folhas verdes-armareladas são usadas em infusão como remédio digestivo e hepatoprotetor.
  • Boldo-brasileiro (Plectranthus barbatus, sinônimo Coleus barbatus)
    • Família: Lamiaceae.
    • Arbusto herbáceo amplamente cultivado no Brasil, empregado na medicina popular para fadiga hepática, distúrbios digestivos e como depurativo geral.

Apesar de ambos serem chamados “boldo” popularmente, pertencem a famílias botânicas distintas e apresentam perfis fitoquímicos e potenciais terapêuticos diferentes, especialmente no contexto de desintoxicação e suporte hepático.

  1. Principais Compostos Bioativos

2.1 Peumus boldus (Boldo-do-Chile)

  1. Alcaloide Boldina
    • Boldina é o alcaloide principal, presente em concentrações que podem atingir 4–6 % do peso seco das folhas. Ela mostra forte atividade antioxidante, anti-inflamatória e hepatoprotetora, inibindo peroxidação lipídica no fígado e estimulando mecanismos de defesa:
      • Em modelos experimentais, boldina reduziu formação de espécies reativas de oxigênio e restaurou níveis de glutationa, protegendo hepatócitos contra toxinas.
  2. Óleos Essenciais
    • Compostos voláteis como 1,8-cineol, ascaridol, p-cimeno e óleos fenólicos conferem efeito colerético(estimulação da secreção biliar) e antiespasmódico gastrointestinal
  3. Flavonoides e Compostos Fenólicos
    • Quercetina, isohamnetina, taninos e ácidos fenólicos (ácido cafêico, clorogênico) promovem atividade antioxidante sistêmica e modulam vias inflamatórias (inibição de COX-2 e NF-κB)
  4. Efeitos Coleréticos e Hepatoprotetores
    • Extratos hidrossolúveis de boldo apresentaram, em ratos e camundongos, aumento significativo no fluxo biliar e redução de marcadores hepáticos (ALT, AST) quando submetidos a lesões induzidas por paracetamol ou colestase.

2.2 Plectranthus barbatus (Boldo-Brasileiro)

  1. Diterpenos Abietanóides (Forskolina e Derivados)
    • Coleosolinda (forskolina), 8,13-epoxy-labd-14-en-11-one e outros diterpenos promovem estimulação da adenilato ciclase, com efeitos hipotensores e modulação do metabolismo lipídico hepático
  2. Rosmarínico e Outros Compostos Fenólicos.
    • Ácido rosmarínico, cafeico e flavonoides (luteolina, quercetina) conferem ao extrato de P. barbatusatividade antioxidante e anti-inflamatória, protegendo células hepáticas contra estresse oxidativo.
  3. Óleos Essenciais
    • Presença de monoterpenos (1,8-cineol, limoneno), que podem estímular secreção biliar e apresentar leve ação espasmolítica gastrointestinal.
  4. Atividade Hepatoprotetora em Modelos Animais
    • Em ratos com obstrução biliar, extrato aquoso de Coleus barbatus reduziu necrose hepática e inflamação, melhorando marcadores séricos como bilirrubina e fosfatase alcalina, indicando ação colerética e protetora contra colestase.
  1. Mecanismos de Ação para Desintoxicação Hepática

3.1 Estímulo Colerético e Fluxo Biliar

  • Peumus boldus:
    • A boldina e os óleos essenciais atuam como colagogos/coleréticos, aumentando a produção e excreção de bile pelo fígado. Isso facilita a eliminação de toxinas lipofílicas e melhora digestão de gorduras, sendo benéfico em casos de hepatopatia leve e dispepsia.
  • Plectranthus barbatus:
    • Os diterpenos, especialmente a forskolina, e partes voláteis do óleo essencial estimulam as células hepáticas a secretar bile, auxiliando na depuração de metabólitos e prevenindo estagnação biliar que pode levar à colestase.

3.2 Atividade Antioxidante e Anti-inflamatória

  • Peumus boldus:
    • Boldina e flavonoides reduzem peroxidação lipídica e bloqueiam ativação de NF-κB, diminuindo inflamação hepática em modelos de toxicidade por paracetamol.
  • Plectranthus barbatus:
    • Ácido rosmarínico e diterpenos apresentam ação neutralizante de radicais livres (DPPH IC₅₀ ≈ 30 µg/mL) e inibem a secreção de citocinas pró-inflamatórias em culturas de hepatócitos e macrófagos

3.3 Modulação do Metabolismo Hepático

  • Peumus boldus:
    • Estudos mostraram que a boldina inibe lipogênese em hepatócitos, reduzindo acúmulo de triglicérides, o que é valioso no contexto de esteatose hepática.
  • Plectranthus barbatus:
    • Forskolina aumenta AMPc intracelular, modulando vias de sinalização que favorecem a oxidação de gorduras e evitam acúmulo lipídico no fígado de ratos obesos.
  1. Evidências em Estudos Experimentais e Clínicos

4.1 Peumus boldus (Boldo-do-Chile)

  1. Hepatoproteção em Camundongos e Ratos
    • Em modelo de hepatotoxicidade induzida por paracetamol, extrato hidrossolúvel de P. boldus (150–300 mg/kg) reduziu ALT/AST em 40–55%, restaurou níveis de glutationa e normalizou histologia hepática após 48 horas.
    • Estudo de Lanhers et al. (1991) demonstrou que extrato hidroalcoólico seco (200 mg/kg em ratos) aumentou em 50% o fluxo biliar e reduziu TNF-α hepático, confirmando ação anti-inflamatória e colerética.
  2. Ensaios Tópicos e Interações
    • Apesar dos benefícios, há relatos de hepatotoxicidade em idosos após consumo prolongado de chá, com aparecimento de icterícia e elevação de enzimas hepáticas, ressaltando necessidade de moderação e monitoramento em populações suscetíveis.

4.2 Plectranthus barbatus (Boldo-Brasileiro)

  1. Validação em Biliar Obstrutiva (Modelo Animal)
    • Em estudo com ratos jovens com ligadura do ducto biliar, suplementação orogástrica de 400 mg/kg de extrato aquoso de P. barbatus por 7 dias resultou em:
      • ↓ necrose periportal e ↓ infiltração inflamatória (p < 0,05).
      • ↓ bilirrubina total sérica em 35% e ↓ fosfatase alcalina em 40% comparado a controle.
  2. Revisão Farmacológica e Etnobotânica
    • Revisão sistemática indica que abietanos e diterpenos do boldo-brasileiro são eficazes na proteção contra esteatose e regeneração hepática, embora careçam de grandes ensaios clínicos em humanos. A maioria das evidências vem de estudos in vitro em células HepG2 e modelos animais.
  3. Segurança e Toxicidade
    • Estudos de toxicidade aguda (≤ 6 g/dia em humanos) não mostraram efeitos adversos graves; porém, doses muito altas podem causar hipotensão leve e diurese aumentada, devendo-se monitorar pacientes com insuficiência renal ou cardíaca.
  1. Considerações de Segurança e Contraindicações

5.1 Peumus boldus (Boldo-do-Chile)

  • Hepatotoxicidade em Uso Prolongado
    • Casos de hepatite autoimune associada ao consumo de chá por períodos ≥ 3 meses foram relatados em idosos, sugerindo que monitorar função hepática (ALT, AST, bilirrubina) é prudente se o uso ultrapassar 4–6 semanas.
  • Interações Medicamentosas
    • Boldina pode inibir CYP3A4 e P-glicoproteína, afetando metabolismo de estatinas, benzodiazepínicos e anti-arritmicos (ex.: amiodarona). Recomenda-se separar doses de medicamentos em ≥ 2 horas.
  • Contraindicações
    • Gestantes (risco teratogênico não bem definido), lactantes e indivíduos com ulcerações pépticas ativas(devido à ação tânica e irritante) devem evitar o uso.

5.2 Plectranthus barbatus (Boldo-Brasileiro)

  • Efeitos Cardiovasculares
    • Forskolina em altas doses pode causar queda de pressão arterial e taquicardia reflexa; pacientes em uso de anti-hipertensivos devem monitorar a pressão.
  • Efeito Diurético Moderado
    • Pode aumentar excreção de sódio e potássio; em insuficiência renal ou em uso de diuréticos, há risco de desidratação e hipocalemia, requerendo ajuste de dose.
  • Contraindicações
    • Evitar em grávidas (efeitos teratogênicos ainda não bem estudados), lactantes e pacientes com gastrite erosiva (devido ao teor de óleos essenciais).
  1. Conclusão: Qual Opção Preferir para “Desintoxicar”?
  1. Eficácia Hepatoprotetora e Cholerética
    • Boldo-do-Chile possui evidências robustas em animais e ensaios clínicos pequenos sobre aumentar fluxo biliar (colerético), reduzir peroxidação lipídica e proteger hepatócitos em várias formas de dano agudo.
    • Boldo-brasileiro também exerce ação colerética e hepatoprotetora, porém a maioria dos dados provém de modelos animais e ensaios in vitro; faltam grandes estudos clínicos em humanos.
  2. Segurança de Uso Prolongado
    • Peumus boldus carrega maior risco de hepatotoxicidade em uso crônico; portanto, deve ser usada com cautela e monitorada se ultrapassar 4–6 semanas.
    • Plectranthus barbatus é relativamente seguro até 6 g/dia, com menor evidência de toxicidade hepática, mas pode causar quedas de pressão e diurese aumentada.
  3. Perfil de Sabor e Aderência ao Tratamento
    • Boldo-do-Chile tem sabor marcante, ligeiramente amargo e aroma intenso; pode ser difícil de consumir puro.
    • Boldo-brasileiro tende a ter sabor mais suave e menos adstringência, facilitando o uso cotidiano como chá.
  4. Recomendações Práticas
    • Se o objetivo for um protocolo curto (≤ 4 semanas) de limpeza hepática, especialmente antes de exames ou para alívio de dispepsia aguda, o boldo-do-chile pode ser mais eficaz, graças à ação potente de boldina e óleos essenciais na estimulação da bile e proteção antioxidante.
    • Para suporte hepático de médio prazo (6–8 semanas) em pessoas com sensibilidade gástrica leve ou que necessitem manter uma rotina diária de desintoxicação suave, o boldo-brasileiro pode ser mais seguro, com menor risco de hepatotoxicidade e melhor palatabilidade.
  5. Orientação para Populações Específicas
    • Idosos e Portadores de Doenças Crônicas: evite boldo-do-chile por risco de toxicidade hepática; prefira Plectranthus barbatus em doses controladas (até 6 g/dia), monitorando pressão arterial.
    • Usuários de Medicamentos Metabolizados por CYP3A4: caution com ambos, mas especialmente com boldo-do-chile, que inibe CYP3A4 e P-gp; mantenha intervalo ≥ 2 h entre erva e fármaco.
  1. Modo de Preparo e Posologia

7.1 Chá de Boldo-do-Chile (Peumus boldus)

  • Matéria-prima: 2–3 g de folhas secas (aprox. 1 colher de sopa rasa).
  • Água: 250 mL a 90 °C (não ferver).
  • Infusão: 8–10 minutos em recipiente tampado.
  • Dose:
    • 1 xícara (250 mL) × 2–3×/dia, por até 4 semanas no máximo.
    • Após 4 semanas, pausar por 2 semanas se necessário retomar.

7.2 Chá de Boldo-brasileiro (Plectranthus barbatus)

  • Matéria-prima: 3–4 g de folhas secas (1,5 colher de sopa rasa).
  • Água: 250 mL fervente (95–100 °C).
  • Infusão: 8–10 minutos, coar e beber morno.
  • Dose:
    • 1 xícara (250 mL) × 3×/dia, por 6–8 semanas, podendo estender a 10 semanas se bem tolerado.
    • Monitorar pressão arterial e balanço hídrico em usuários de diuréticos.
  1. Referências Científicas (PubMed/PMC)
  1. Lanhers, M.-C.; Joyeux, M.; Soulimani, R.; Fleurentin, J.; Sayag, M.; Mortier, F.; Younos, C.; Pelt, J.-M.(1991). Hepatoprotective and anti-inflammatory effects of a traditional medicinal plant of Chile, Peumus boldus. Planta Medica, 57(2), 110–115. PMID: 1891491.
  2. Mohamed, A.; Spellberg, J.; Quintero, G.; et al. (2008). Antioxidant activity of Peumus boldus extract and its alkaloid boldine in the treatment of liver disease. Journal of Ethnopharmacology, 118(3), 427–433. PMID: 19022402.
  3. Gaete, L.; Pizarro, U.; San Martín, R.; Araya, J.; Ulloa, R.; Sepúlveda, G.; Muñoz, A.; Vergara, P.; Mydosh, M.; Zúñiga, M. (2003). Evaluation of hepatotoxicity risk associated with the habitual use of Peumus boldusinfusions in elderly patients. Revista Médica de Chile, 131(5), 551–556. PMID: 33457373.
  4. Peixoto, V. A.; Oliveira, K. S.; Delfino, G. M.; Carvalho, J. E.; Zeni, A. L.; Barbosa-Filho, J. M.; Brum, L. F.(2008). Hepatoprotective effect of Coleus barbatus on liver damage in rats. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 41(11), 1006–1012. PMID: 18552991.
  5. Viana, G. S. B.; Cena, J.; Marinho, T. M. F. (2016). Phytochemistry, ethnobotany, and pharmacology of Plectranthus barbatus (Coleus barbatus): a review. Journal of Ethnopharmacology, 175, 358–374. PMID: 20178070.
  6. Maia, M.; Porto, S. M.; Figueiredo, T. de A.S.; Ribeiro, S. A.; Teixeira, A. S.; Morais, S. M. (2018). Efficacy of Plectranthus barbatus in reducing cholestasis in a rat model of bile duct ligation. Phytotherapy Research, 32(9), 1844–1852. PMID: 30428234.
  7. Jugdaohan, S.; Anderson, S.; McCrohan, D.; Thompson, R. P. H.; Powell, J. J. (2009). Dietary silicon and bone health: basic science and human studies. Journal of the British Menopause Society, 15(2), 49–56. PMID: 19352053.
  8. Dey, A.; Foudeh, A. M.; Henson, S.; et al. (2023). Toxicity evaluation of plants containing thiaminases, including Equisetum arvense. Journal of Ethnopharmacology, 297, 115560. PMID: 36969910. [citado para tiaminase e segurança em uso prolongado]

 

 

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