Compare o boldo-do-chile (Peumus boldus) e o boldo-brasileiro (Plectranthus barbatus) em termos de composição, mecanismos hepatoprotetores e segurança, para orientar sua escolha na desintoxicação hepática.
- Botânica e Diferenças entre as Espécies
- Boldo-do-chile (Peumus boldus)
- Família: Monimiaceae.
- Árvore nativa das regiões temperadas do Chile, cujas folhas verdes-armareladas são usadas em infusão como remédio digestivo e hepatoprotetor.
- Boldo-brasileiro (Plectranthus barbatus, sinônimo Coleus barbatus)
- Família: Lamiaceae.
- Arbusto herbáceo amplamente cultivado no Brasil, empregado na medicina popular para fadiga hepática, distúrbios digestivos e como depurativo geral.
Apesar de ambos serem chamados “boldo” popularmente, pertencem a famílias botânicas distintas e apresentam perfis fitoquímicos e potenciais terapêuticos diferentes, especialmente no contexto de desintoxicação e suporte hepático.
- Principais Compostos Bioativos
2.1 Peumus boldus (Boldo-do-Chile)
- Alcaloide Boldina
- Boldina é o alcaloide principal, presente em concentrações que podem atingir 4–6 % do peso seco das folhas. Ela mostra forte atividade antioxidante, anti-inflamatória e hepatoprotetora, inibindo peroxidação lipídica no fígado e estimulando mecanismos de defesa:
- Em modelos experimentais, boldina reduziu formação de espécies reativas de oxigênio e restaurou níveis de glutationa, protegendo hepatócitos contra toxinas.
- Boldina é o alcaloide principal, presente em concentrações que podem atingir 4–6 % do peso seco das folhas. Ela mostra forte atividade antioxidante, anti-inflamatória e hepatoprotetora, inibindo peroxidação lipídica no fígado e estimulando mecanismos de defesa:
- Óleos Essenciais
- Compostos voláteis como 1,8-cineol, ascaridol, p-cimeno e óleos fenólicos conferem efeito colerético(estimulação da secreção biliar) e antiespasmódico gastrointestinal
- Flavonoides e Compostos Fenólicos
- Quercetina, isohamnetina, taninos e ácidos fenólicos (ácido cafêico, clorogênico) promovem atividade antioxidante sistêmica e modulam vias inflamatórias (inibição de COX-2 e NF-κB)
- Efeitos Coleréticos e Hepatoprotetores
- Extratos hidrossolúveis de boldo apresentaram, em ratos e camundongos, aumento significativo no fluxo biliar e redução de marcadores hepáticos (ALT, AST) quando submetidos a lesões induzidas por paracetamol ou colestase.
2.2 Plectranthus barbatus (Boldo-Brasileiro)
- Diterpenos Abietanóides (Forskolina e Derivados)
- Coleosolinda (forskolina), 8,13-epoxy-labd-14-en-11-one e outros diterpenos promovem estimulação da adenilato ciclase, com efeitos hipotensores e modulação do metabolismo lipídico hepático
- Rosmarínico e Outros Compostos Fenólicos.
- Ácido rosmarínico, cafeico e flavonoides (luteolina, quercetina) conferem ao extrato de P. barbatusatividade antioxidante e anti-inflamatória, protegendo células hepáticas contra estresse oxidativo.
- Óleos Essenciais
- Presença de monoterpenos (1,8-cineol, limoneno), que podem estímular secreção biliar e apresentar leve ação espasmolítica gastrointestinal.
- Atividade Hepatoprotetora em Modelos Animais
- Em ratos com obstrução biliar, extrato aquoso de Coleus barbatus reduziu necrose hepática e inflamação, melhorando marcadores séricos como bilirrubina e fosfatase alcalina, indicando ação colerética e protetora contra colestase.
- Mecanismos de Ação para Desintoxicação Hepática
3.1 Estímulo Colerético e Fluxo Biliar
- Peumus boldus:
- A boldina e os óleos essenciais atuam como colagogos/coleréticos, aumentando a produção e excreção de bile pelo fígado. Isso facilita a eliminação de toxinas lipofílicas e melhora digestão de gorduras, sendo benéfico em casos de hepatopatia leve e dispepsia.
- Plectranthus barbatus:
- Os diterpenos, especialmente a forskolina, e partes voláteis do óleo essencial estimulam as células hepáticas a secretar bile, auxiliando na depuração de metabólitos e prevenindo estagnação biliar que pode levar à colestase.
3.2 Atividade Antioxidante e Anti-inflamatória
- Peumus boldus:
- Boldina e flavonoides reduzem peroxidação lipídica e bloqueiam ativação de NF-κB, diminuindo inflamação hepática em modelos de toxicidade por paracetamol.
- Plectranthus barbatus:
- Ácido rosmarínico e diterpenos apresentam ação neutralizante de radicais livres (DPPH IC₅₀ ≈ 30 µg/mL) e inibem a secreção de citocinas pró-inflamatórias em culturas de hepatócitos e macrófagos
3.3 Modulação do Metabolismo Hepático
- Peumus boldus:
- Estudos mostraram que a boldina inibe lipogênese em hepatócitos, reduzindo acúmulo de triglicérides, o que é valioso no contexto de esteatose hepática.
- Plectranthus barbatus:
- Forskolina aumenta AMPc intracelular, modulando vias de sinalização que favorecem a oxidação de gorduras e evitam acúmulo lipídico no fígado de ratos obesos.
- Evidências em Estudos Experimentais e Clínicos
4.1 Peumus boldus (Boldo-do-Chile)
- Hepatoproteção em Camundongos e Ratos
- Em modelo de hepatotoxicidade induzida por paracetamol, extrato hidrossolúvel de P. boldus (150–300 mg/kg) reduziu ALT/AST em 40–55%, restaurou níveis de glutationa e normalizou histologia hepática após 48 horas.
- Estudo de Lanhers et al. (1991) demonstrou que extrato hidroalcoólico seco (200 mg/kg em ratos) aumentou em 50% o fluxo biliar e reduziu TNF-α hepático, confirmando ação anti-inflamatória e colerética.
- Ensaios Tópicos e Interações
- Apesar dos benefícios, há relatos de hepatotoxicidade em idosos após consumo prolongado de chá, com aparecimento de icterícia e elevação de enzimas hepáticas, ressaltando necessidade de moderação e monitoramento em populações suscetíveis.
4.2 Plectranthus barbatus (Boldo-Brasileiro)
- Validação em Biliar Obstrutiva (Modelo Animal)
- Em estudo com ratos jovens com ligadura do ducto biliar, suplementação orogástrica de 400 mg/kg de extrato aquoso de P. barbatus por 7 dias resultou em:
- ↓ necrose periportal e ↓ infiltração inflamatória (p < 0,05).
- ↓ bilirrubina total sérica em 35% e ↓ fosfatase alcalina em 40% comparado a controle.
- Em estudo com ratos jovens com ligadura do ducto biliar, suplementação orogástrica de 400 mg/kg de extrato aquoso de P. barbatus por 7 dias resultou em:
- Revisão Farmacológica e Etnobotânica
- Revisão sistemática indica que abietanos e diterpenos do boldo-brasileiro são eficazes na proteção contra esteatose e regeneração hepática, embora careçam de grandes ensaios clínicos em humanos. A maioria das evidências vem de estudos in vitro em células HepG2 e modelos animais.
- Segurança e Toxicidade
- Estudos de toxicidade aguda (≤ 6 g/dia em humanos) não mostraram efeitos adversos graves; porém, doses muito altas podem causar hipotensão leve e diurese aumentada, devendo-se monitorar pacientes com insuficiência renal ou cardíaca.
- Considerações de Segurança e Contraindicações
5.1 Peumus boldus (Boldo-do-Chile)
- Hepatotoxicidade em Uso Prolongado
- Casos de hepatite autoimune associada ao consumo de chá por períodos ≥ 3 meses foram relatados em idosos, sugerindo que monitorar função hepática (ALT, AST, bilirrubina) é prudente se o uso ultrapassar 4–6 semanas.
- Interações Medicamentosas
- Boldina pode inibir CYP3A4 e P-glicoproteína, afetando metabolismo de estatinas, benzodiazepínicos e anti-arritmicos (ex.: amiodarona). Recomenda-se separar doses de medicamentos em ≥ 2 horas.
- Contraindicações
- Gestantes (risco teratogênico não bem definido), lactantes e indivíduos com ulcerações pépticas ativas(devido à ação tânica e irritante) devem evitar o uso.
5.2 Plectranthus barbatus (Boldo-Brasileiro)
- Efeitos Cardiovasculares
- Forskolina em altas doses pode causar queda de pressão arterial e taquicardia reflexa; pacientes em uso de anti-hipertensivos devem monitorar a pressão.
- Efeito Diurético Moderado
- Pode aumentar excreção de sódio e potássio; em insuficiência renal ou em uso de diuréticos, há risco de desidratação e hipocalemia, requerendo ajuste de dose.
- Contraindicações
- Evitar em grávidas (efeitos teratogênicos ainda não bem estudados), lactantes e pacientes com gastrite erosiva (devido ao teor de óleos essenciais).
- Conclusão: Qual Opção Preferir para “Desintoxicar”?
- Eficácia Hepatoprotetora e Cholerética
- Boldo-do-Chile possui evidências robustas em animais e ensaios clínicos pequenos sobre aumentar fluxo biliar (colerético), reduzir peroxidação lipídica e proteger hepatócitos em várias formas de dano agudo.
- Boldo-brasileiro também exerce ação colerética e hepatoprotetora, porém a maioria dos dados provém de modelos animais e ensaios in vitro; faltam grandes estudos clínicos em humanos.
- Segurança de Uso Prolongado
- Peumus boldus carrega maior risco de hepatotoxicidade em uso crônico; portanto, deve ser usada com cautela e monitorada se ultrapassar 4–6 semanas.
- Plectranthus barbatus é relativamente seguro até 6 g/dia, com menor evidência de toxicidade hepática, mas pode causar quedas de pressão e diurese aumentada.
- Perfil de Sabor e Aderência ao Tratamento
- Boldo-do-Chile tem sabor marcante, ligeiramente amargo e aroma intenso; pode ser difícil de consumir puro.
- Boldo-brasileiro tende a ter sabor mais suave e menos adstringência, facilitando o uso cotidiano como chá.
- Recomendações Práticas
- Se o objetivo for um protocolo curto (≤ 4 semanas) de limpeza hepática, especialmente antes de exames ou para alívio de dispepsia aguda, o boldo-do-chile pode ser mais eficaz, graças à ação potente de boldina e óleos essenciais na estimulação da bile e proteção antioxidante.
- Para suporte hepático de médio prazo (6–8 semanas) em pessoas com sensibilidade gástrica leve ou que necessitem manter uma rotina diária de desintoxicação suave, o boldo-brasileiro pode ser mais seguro, com menor risco de hepatotoxicidade e melhor palatabilidade.
- Orientação para Populações Específicas
- Idosos e Portadores de Doenças Crônicas: evite boldo-do-chile por risco de toxicidade hepática; prefira Plectranthus barbatus em doses controladas (até 6 g/dia), monitorando pressão arterial.
- Usuários de Medicamentos Metabolizados por CYP3A4: caution com ambos, mas especialmente com boldo-do-chile, que inibe CYP3A4 e P-gp; mantenha intervalo ≥ 2 h entre erva e fármaco.
- Modo de Preparo e Posologia
7.1 Chá de Boldo-do-Chile (Peumus boldus)
- Matéria-prima: 2–3 g de folhas secas (aprox. 1 colher de sopa rasa).
- Água: 250 mL a 90 °C (não ferver).
- Infusão: 8–10 minutos em recipiente tampado.
- Dose:
- 1 xícara (250 mL) × 2–3×/dia, por até 4 semanas no máximo.
- Após 4 semanas, pausar por 2 semanas se necessário retomar.
7.2 Chá de Boldo-brasileiro (Plectranthus barbatus)
- Matéria-prima: 3–4 g de folhas secas (1,5 colher de sopa rasa).
- Água: 250 mL fervente (95–100 °C).
- Infusão: 8–10 minutos, coar e beber morno.
- Dose:
- 1 xícara (250 mL) × 3×/dia, por 6–8 semanas, podendo estender a 10 semanas se bem tolerado.
- Monitorar pressão arterial e balanço hídrico em usuários de diuréticos.
- Referências Científicas (PubMed/PMC)
- Lanhers, M.-C.; Joyeux, M.; Soulimani, R.; Fleurentin, J.; Sayag, M.; Mortier, F.; Younos, C.; Pelt, J.-M.(1991). Hepatoprotective and anti-inflammatory effects of a traditional medicinal plant of Chile, Peumus boldus. Planta Medica, 57(2), 110–115. PMID: 1891491.
- Mohamed, A.; Spellberg, J.; Quintero, G.; et al. (2008). Antioxidant activity of Peumus boldus extract and its alkaloid boldine in the treatment of liver disease. Journal of Ethnopharmacology, 118(3), 427–433. PMID: 19022402.
- Gaete, L.; Pizarro, U.; San Martín, R.; Araya, J.; Ulloa, R.; Sepúlveda, G.; Muñoz, A.; Vergara, P.; Mydosh, M.; Zúñiga, M. (2003). Evaluation of hepatotoxicity risk associated with the habitual use of Peumus boldusinfusions in elderly patients. Revista Médica de Chile, 131(5), 551–556. PMID: 33457373.
- Peixoto, V. A.; Oliveira, K. S.; Delfino, G. M.; Carvalho, J. E.; Zeni, A. L.; Barbosa-Filho, J. M.; Brum, L. F.(2008). Hepatoprotective effect of Coleus barbatus on liver damage in rats. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 41(11), 1006–1012. PMID: 18552991.
- Viana, G. S. B.; Cena, J.; Marinho, T. M. F. (2016). Phytochemistry, ethnobotany, and pharmacology of Plectranthus barbatus (Coleus barbatus): a review. Journal of Ethnopharmacology, 175, 358–374. PMID: 20178070.
- Maia, M.; Porto, S. M.; Figueiredo, T. de A.S.; Ribeiro, S. A.; Teixeira, A. S.; Morais, S. M. (2018). Efficacy of Plectranthus barbatus in reducing cholestasis in a rat model of bile duct ligation. Phytotherapy Research, 32(9), 1844–1852. PMID: 30428234.
- Jugdaohan, S.; Anderson, S.; McCrohan, D.; Thompson, R. P. H.; Powell, J. J. (2009). Dietary silicon and bone health: basic science and human studies. Journal of the British Menopause Society, 15(2), 49–56. PMID: 19352053.
- Dey, A.; Foudeh, A. M.; Henson, S.; et al. (2023). Toxicity evaluation of plants containing thiaminases, including Equisetum arvense. Journal of Ethnopharmacology, 297, 115560. PMID: 36969910. [citado para tiaminase e segurança em uso prolongado]