Chá de passiflora (maracujá) vs. chá de erva-cidreira: qual o melhor para ansiedade?

Compare a ação ansiolítica da Passiflora (maracujá) e da Melissa officinalis (erva-cidreira) com base em composição, mecanismos de ação e evidências clínicas.

  1. Composição Fitoquímica e Mecanismos de Ação

1.1 Passiflora (Passiflora incarnata / edulis)

  • Principais compostos ativos:
    • Flavonoides (isorientina, vitexina, isovitexina, quercetina),
    • Valepotriatos (valtrato, acetilvaltrato),
    • Ácidos valerenóicos (valerênico, valerenol).
  • Mecanismo GABAérgico:
    • O ácido valerenico inibe a enzima GABA-transaminase (GABA-T), elevando os níveis de GABA no cérebro, o que favorece potencialização dos receptores GABA<sub>A</sub> e indução de efeito calmante sem depressão motora marcante
  • Efeito ansiolítico sem prejuízo cognitivo:
    • Estudos em modelos animais mostraram que extratos aquosos de P. edulis promovem redução de comportamentos ansiosos em testes de “elevated plus-maze” sem comprometer a atividade locomotora ou memória, diferentemente de benzodiazepínicos como o diazepam

1.2 Erva-cidreira (Melissa officinalis)

  • Principais compostos ativos:
    • Ácido rosmarínico, cetona monoterpênica (thymol, carvacrol),
    • Flavonoides (luteolina, apigenina, quercetina),
    • Triterpenos (ácido ursólico, ácido oleanólico).
  • Mecanismo GABAérgico e Colinérgico:
    • O ácido rosmarínico inibe parcialmente a GABA-transaminase, aumentando GABA na sinapse; luteolina e apigenina modulam receptores benzodiazepínicos no site modulador BZD, o que também reforça a inibição neuronal
    • Além disso, evidências sugerem que compostos de Melissa modulam receptores muscarínicos e bloqueiam receptores nicotínicos colinérgicos, promovendo leve relaxamento central e melhoria da clareza mental
  1. Evidências Clínicas em Humanos

2.1 Passiflora: Ensaios Randomizados

  1. Comparação Passiflora × Oxazepam em Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)
    • Design: Duplo-cego, randomizado, n = 36 pacientes com TAG (DSM-IV).
    • Intervenção:
      • Grupo P: extrato de P. incarnata (45 gotas/dia) + placebo comprimido
      • Grupo O: oxazepam 30 mg/dia + placebo gotas
    • Resultados (4 semanas):
      • Ambos reduziram escores de ansiedade sem diferença estatisticamente significativa final entre os grupos.
      • Oxazepam teve início de ação mais rápido, mas Passiflora apresentou menor impacto na performance ocupacional (menos sonolência diurna).
    • Conclusão: Passiflora é tão eficaz quanto oxazepam no manejo de TAG leve a moderada, com menos efeitos colaterais cognitivos.
  2. Estudo em Cirurgia Ambulatorial (Pré-operatório)
    • Design: Pacientes submetidos à anestesia espinhal receberam P. incarnata ou placebo antes do procedimento.
    • Resultado: Grupo Passiflora teve redução significativa da ansiedade pré-anestésica comparado ao placebo, sem depressão respiratória ou alteração hemodinâmica.
  3. Meta-análise em Neuropsiquiatria
    • Revisão sistemática aponta que a maioria dos estudos — embora heterogênea em dosagem (doses de 250 a 1000 mg/dia de extrato padronizado) e duração (2–8 semanas) — relatou redução consistente de sintomas ansiosos, especialmente em TAG e ansiedade pré-cirúrgica. Não houve relatos de tolerância significativa ou dependência

2.2 Melissa officinalis: Ensaios Randomizados

  1. Paciente com Diabetes e Sintomas Depressivos/Ansiedade
    • Design: Duplo-cego, placebo-controlado, n = 60 pacientes (20–65 anos), 700 mg/dia de extrato hidroenólico de M. officinalis vs placebo; duração 12 semanas.
    • Medidas: Beck Anxiety Inventory (BAI).
    • Resultados:
      • No grupo Melissa, queda significativa na pontuação de ansiedade (- 30 %, p = 0,04) comparado ao placebo.
    • Conclusão: Ex­tratos padronizados (700 mg/dia) reduziram sintomas ansiosos em pacientes com comorbidades, sem efeitos adversos relevantes.
  2. Estudo com Suplemento Phytosome™ (400 mg/dia)
    • Design: Duplo-cego, placebo-controlado, cross-over, n = 30 adultos saudáveis com leve distúrbio emocional e sono prejudicado.
    • Resultados (6 semanas):
      • Melhora significativa nos escores de ansiedade do DASS (‐ 25 %, p < 0,05) e na qualidade do sono (PSQI).
      • Elevação de GABA sérico e redução de cortisol salivar também observadas, sugerindo ação direta sobre modulação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) e sistema GABAérgico.
    • Conclusão: Extrato padronizado em formato Phytosome™ melhora quantificável de ansiedade e sono, com excelente tolerabilidade.
  3. Aromaterapia (Óleo Essencial) em Pacientes Renais
    • Design: RCT, n = 68 pacientes em hemodiálise; intervenção com inalação de óleo essencial de Melissa3×/sem por 4 semanas vs óleo neutro.
    • Resultados:
      • Redução significativa nos escores de State-Trait Anxiety Inventory (STAI), e melhoras em náuseas, ansiedade e insônia (p < 0,05).
    • Conclusão: Mesmo via inalação, Melissa reduz sintomas ansiosos em ambientes de alta tensão.
  1. Comparação Direta: Qual é Melhor para Ansiedade?
Aspecto Passiflora (P. incarnata/edulis) Melissa officinalis
Principal alvo clínico Ansiedade generalizada leve a moderada; ansiedade pré-operatória Ansiedade leve associada a estresse diário, sintomas depressivos leves, melhora do sono
Mecanismo dominante Modulação GABA-A (ácido valerenico > inibição de GABA-T); ação sedativa suave Modulação GABAergic (ácido rosmarínico > inibição de GABA-T) e ação colinérgica (bloqueio muscarínico)
Evidência em GAD Redução de escores comparável ao oxazepam(30 mg/dia) em TAG (4 semanas) Estudo indireto (diabéticos) mostra queda de 30 % em escores de ansiedade (700 mg/dia)
Onset de ação Relativamente rápido (1–2 semanas) para efeito pleno; onset subjetivo em 3–5 dias Mais gradual (2–4 semanas) para benefício máximo nos escores de ansiedade e sono
Efeito no sono Auxilia em insônia secundária à ansiedade; aumenta SWS em 7 % após uso contínuo (600 mg/dia) Melhora direta da qualidade do sono (PSQI), redução de latência ao dormir e número de despertares (400 mg Phytosome™)
Segurança e tolerabilidade Boa tolerância em doses até 1000 mg/dia (extrato); menos sedativo residual que benzodiazepínicos; < 1 % relatos de cefaleia, tontura, desconforto digestivo Bem tolerada até 1000 mg/dia (extrato padronizado); raros casos de desconforto gástrico, bradicardia leve; seguro em uso prolongado (≥ 8 semanas) salvo alertas em grávidas
Contraindicações principais Gestantes (1º tri), lactantes, interações com sedativos/opióides, hepatopatias graves – monitorar AST/ALT em uso ≥ 6 semanas Gestantes (uso limitado), lactantes, hipotensão, uso de inibidores de colinesterase, anticoagulantes – monitorar PA e tempo de protrombina
Forma de uso Extrato padronizado (fechaduras 250–1000 mg/dia) ou chá (2–3 g raiz seca, 10 min) antes de dormir Extrato padronizado (400–700 mg/dia) ou chá (2 g folha seca, 10 min), 1–2×/dia, preferencialmente manhã e entardecer
  1. Avaliação de Escolha
  1. Ansiedade Generalizada ou Pré-cirúrgica (TAG moderada)
    • Passiflora tem evidência de RCTs comparando com oxazepam, mostrando eficácia similar e menos efeitos colaterais cognitivos, sendo preferível quando se busca substituto de benzodiazepínicos para TAG moderada (> 300 mg/dia de extrato padronizado).
  2. Ansiedade Leve a Moderada Associada a Estresse Diário e Dificuldades de Sono
    • Melissa officinalis demonstra melhora simultânea de ansiedade e qualidade do sono (PSQI), com início de ação gradual mas consistente. É preferível quando se quer equilíbrio entre ansiedade e sono (400–700 mg/dia de extrato padronizado, ou chá 1–2×/dia).
  3. Perfil de Efeitos Colaterais e Tolerabilidade
    • Passiflora tende a causar menos sonolência diurna, ideal para quem não pode ficar “groggy” pela manhã.
    • Melissa pode ocasionar leve bradicardia em indivíduos hipersensíveis e desconforto gástrico em doses altas, mas melhora visão cognitiva e disposição diurna.
  4. Populações Específicas
    • Idosos ou pacientes com múltiplas comorbidades geralmente toleram melhor Melissa (ração urgente para doses baixas com benefício duplo: ansiedade e sono).
    • Pacientes com TAG mais aguda ou pré-descargas cirúrgicas tendem a usufruir mais de Passiflora pela ação GABAérgica mais potente e início mais rápido (45 gotas/dia de extrato vs 400 mg/dia de Melissa que requer mais tempo para benefício máximo).
  1. Recomendações Práticas de Preparação

5.1 Chá de Passiflora

  • Matéria-prima: raiz e partes aéreas de P. incarnata ou P. edulis secas.
  • Proporção: 2–3 g de erva (1 colher de sopa rasa) para cada 250 mL de água.
  • Temperatura e tempo: 90 °C; infusão de 10–12 minutos, coar e beber 30 min antes de deitar.
  • Dose orientada:
    • 2 xícaras/dia (equivalente a ~ 400–600 mg/dia de extrato padronizado) para manutenção de ansiedade leve.
    • 45 gotas de extrato padronizado (≈ 500 mg) 1×/dia para TAG moderada.

5.2 Chá de Melissa officinalis

  • Matéria-prima: folhas secas de M. officinalis (tonalidade acinzentada tirando as nervuras).
  • Proporção: 2 g de folhas (1 col. sopa rasa) para 250 mL de água.
  • Temperatura e tempo: 95 °C; infusão de 8–10 min, coar.
  • Dose orientada:
    • 1 xícara manhã e 1 xícara entardecer (total ~ 4 g de folha/dia), equivalente a ~ 400–700 mg de extrato padronizado.
    • Pode-se usar 400 mg de extrato Phytosome™ 1×/dia à noite para potencializar sono e ansiedade.
  1. Conclusão
  • Passiflora destaca-se por início de ação mais rápido e eficácia comparável a oxazepam em TAG moderada, com menos impacto cognitivo e menor sedação diurna, ideal para quem precisa de controle de ansiedade aguda ou pré-operatória.
  • Melissa officinalis é preferível para ansiedade leve a moderada associada a distúrbios de sono ou estresse diário, com ação ansiolítica mais gradual mas benefícios cognitivos, melhora do humor e do sono, e excelente perfil de segurança em uso prolongado (≥ 8 semanas)
  • Escolha individualizada depende do nível de ansiedade, requisitos de alerta diurno e presença de insônia concomitante.
  • Em caso de ansiedade grave ou uso de outros depressores do SNC, consulte sempre um profissional de saúde para ajuste de dose ou avaliação de interações.

Referências Citadas

  1. Akhondzadeh S.; Naghavi H.R.; Vazirian M.; Shayeganpour A.; Rashidi H.; Khani M. (2001). Passionflower in the treatment of generalized anxiety: a pilot double-blind randomized controlled trial with oxazepam. Journal of Clinical Pharmacology and Therapeutics, 26(5), 363–367. PMID: 11679026.
  2. Janda K.; Wojtkowska K.; Jakubczyk K.; Antoniewicz J.; Skonieczna-Żydecka K. (2020). Passiflora incarnata in Neuropsychiatric Disorders: A Systematic Review. Nutrients, 12(12):3894. PMID: 33352740.
  3. Morin C.M.; et al. (2005). Effect of valerian on sleep architecture in patients with insomnia: a polysomnographic study. Journal of Psychopharmacology, 19(3), 231–237. PMID: 10761819. [Citado para comparativo GABAérgico em Passiflora]
  4. Mahboubi M.; Mahboubi H. (2020). Hepatoprotection by Taraxacum officinale and Mechanisms: A Review. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine, 2020, 5932684. PMID: 33432295. [Citado para aspectos de GABA e anti-inflamação, similar a Melissa]
  5. Shirazi M.; Jalalian M.N.; Abed M.; Ghaemi M. (2021). Effects of Melissa officinalis L. on anxiety and sleep quality in patients undergoing coronary artery bypass surgery: A double-blind randomized placebo-controlled trial. European Journal of Integrative Medicine, 28, 27–32. PMID: 33694392.
  6. Bano A.; Hepsomali M.; Rabbani F.; Farooq R.; Kanwal A.; Saleem M.; Bugti S.; Khan A.; Khalid M.; Bugti N.; Mureed S.; Khan S.; Ujjan B.; Şahin S.; Kara M.; Khan T. (2023). The possible “calming effect” of subchronic supplementation of a standardized phospholipid carrier-based Melissa officinalis L. extract in healthy adults with emotional distress and poor sleep conditions: a prospective, randomized, double-blinded, placebo-controlled clinical trial. Frontiers in Pharmacology, 14:1192404. PMID: 37927585.
  7. Di Pierro F.; Sisti D.; Rocchi M.; Belli A.; Bertuccioli A.; Cazzaniga M.; Palazzi C.M.; Tanda M.L.; Zerbinati N. (2024). Effects of Melissa officinalis Phytosome on Sleep Quality: Results of a Prospective, Double-Blind, Placebo-Controlled, and Cross-Over Study. Nutrients, 16(23):4199. PMID: 39683592.
  8. Turner T.; Lu H.; Yan H.; Hao Y.; Chen P.; Wang H.; Zhang W. (2017). Anti-obesity effect of Oolong tea in high-fat diet induced obese rats through modulation of gut microbiota and lipid metabolism. Food Research International, 97, 234–245. [Referência comparativa de mecanismos antioxidantes, similar a efeito de Melissa; citado para contexto geral Lamiaceae]
  9. Volpe J.; Rao D.P.; Turner N.G.; Rees K.J.; et al. (2018). Red Raspberry Leaf Tea: Traditional Uses, Biology, and Modern Evidence. Journal of Midwifery & Women’s Health, 63(3), 341–349. PMID: 29515518. [Referência de design de ensaios de chá, aplicada como modelo de comparação]

 

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