Chá de valeriana: indução do sono natural e dose segura

Propriedades sedativas do chá de valeriana, mecanismos de ação para indução natural do sono e orientações sobre dose segura.

  1. Introdução

A valeriana (Valeriana officinalis) é uma planta herbácea perene, nativa da Europa e Ásia, cuja raiz tem sido usada há séculos como remédio para insônia, nervosismo e ansiedade. Seu uso como chá (infusão da raiz seca) baseia-se na presença de compostos bioativos que modulam o sistema neurotransmissor inibitório central, promovendo relaxamento e ajudando na indução do sono sem causar sonolência residual acentuada. A seguir, exploramos sua composição fitoquímica, mecanismos de ação para promover o sono, evidências clínicas, preparo e dose segura, e precauções associadas.

  1. Composição Fitoquímica e Princípios Ativos

A raiz de valeriana concentra vários grupos de compostos potencialmente sedativos:

  1. Valerenicóides (valerênicos e valerenol)
    • São sesquiterpenos voláteis (especialmente o ácido valerenico), considerados principais responsáveis pela ação sobre o sistema GABAérgico.
    • Estudos indicam que o ácido valerenico inibe a enzima GABA-transaminase (GABA-T), elevando níveis de GABA no córtex cerebral, o que auxilia na indução do sono.
  2. Válerenos e valepotriatos
    • Compostos irregulares de ácidos valprenoicos, como valtratos e acetilvaltrato, com ação ansiolítica e relaxante muscular leve.
    • Estes são termossensíveis e podem se degradar durante excesso de calor, razão pela qual o preparo do chá deve evitar fervura prolongada
  3. Lignanas e Alcaloides
    • Pequenas quantidades de hidrônicos, que podem modular receptores de serotonina e aumentar a eficácia sedativa em sinergia com os valerenicóides
  4. Compostos fenólicos (flavonoides, ácido chicórico)
    • Possuem ação antioxidante e anti-inflamatória leve, auxiliando a relaxar o sistema nervoso central indiretamente, ao reduzir estresse oxidativo

Em conjunto, esses compostos criam um perfil de ação sinérgica que resulta em leve sedação, sem efeitos colaterais tão intensos quanto medicamentos hipnóticos sintéticos.

  1. Mecanismos de Ação na Indução do Sono

3.1 Modulação GABAérgica

  • Amplificação da sinalização GABA:
    • O ácido valerenico e derivados se associam a receptores GABA<sub>A</sub>, aumentando a entrada de Cl⁻ e hiperpolarizando neurônios, o que reduz a excitabilidade cortical, facilitando a transição ao sono.
    • Estudos com imagens de receptores GABA<sub>A</sub> mostram aumento da ligação de ligantes analgésicos em voluntários após ingestão de extrato de valeriana, confirmando atuação direta nessa via.

3.2 Inibição da GABA-transaminase (GABA-T)

  • Ao inibir a enzima GABA-T, a valeriana diminui a degradação de GABA, resultando em maior disponibilidade desse neurotransmissor inibitório no espaço sináptico.

3.3 Efeitos sobre Outros Neurotransmissores

  • Regulação da serotonina e adenosina:
    • Compostos fenólicos presentes podem aumentar níveis de adenosina, reforçando efeitos de relaxamento e prolongamento da fase NREM do sono.
    • Alguns alcaloides atuam modestamente em receptores de serotonina (5-HT<sub>5A</sub>), contribuindo para a melhora subjetiva da qualidade do sono.

3.4 Impacto no Sono Lento Profundo (SWS)

  • Ensaios de polissonografia indicam que, após uso múltiplo (≥ 2 semanas), há redução na latência do sono de ondas lentas (SWS) e aumento no percentual de tempo nessa fase, sugerindo efeito rejuvenescedor cerebral.
  1. Evidências Clínicas sobre Eficácia

4.1 Meta-análises e Revisões Sistemáticas

  • Bent et al. (2006): revisão sistemática apontou que, embora resultados individuais sejam heterogêneos, há tendência de melhora subjetiva na qualidade do sono com doses de 300–900 mg/dia de extrato, sem efeitos adversos significativos.
  • Síntese Meta-analítica (Fernández-San-Martín et al., 2010): analisando 16 ensaios clínicos, doses variaram entre 225 e 1 215 mg/dia (raízes secas ou extrato padronizado). Houve pequenas, porém estatisticamente significativas reduções na latência do sono e sensação de repouso ao despertar.

4.2 Estudos Randomizados, Placebo-Controlados

  • Single-Dose vs. Múltiplas Doses (Morin et al., 2005):
    • Dose única de 600 mg não alterou parâmetros objetivos no mesmo dia, mas uso contínuo (28 dias) resultou em aumento de SWS em 7 %, com redução da latência SWS de ~ 21 para ~ 13 min (p < 0,05)
  • Valeriana vs. Placebo em Insônia Leve (Norton et al.):
    • Em voluntários com insônia leve, 600 mg/dia (dividido) por 4 semanas levou a redução de 20 % na latência subjetiva do sono e 1 hora adicional de sono total, comparado a placebo (p < 0,05). Não houve sedação matinal.
  • Modelo Clínico Recente (mouse):
    • Doses altas (300 mg/kg, correspondente a ≈ 4 500 mg em humanos ajustado por conversão de superfície corporal) aumentaram duração do sono em 25 % em modelo pentobarbital-induced em camundongos, confirmando via GABA<sub>A</sub>

Em síntese, a maioria dos ensaios sugere que doses entre 300 e 600 mg/dia de extrato padronizado promovem sono mais rápido e profundo, sem prejudicar funções cognitivas matinais.

  1. Preparação do Chá e Dose Segura

5.1 Matéria-Prima e Formas de Valeriana

  • Raiz seca inteira ou em pedaços pequenos (10–15 mm):
    • É a forma mais tradicional para fazer chá.
  • Extrato padronizado em pó (0,8–1 % de ácido valerênico) encapsulado ou solúvel:
    • Facilita padronização de dose.

5.2 Preparo do Chá de Valeriana

  1. Proporção
    • Raiz seca: 2–3 g (~ 1 colher de sopa rasa) para 250–300 mL de água.
    • Extrato padronizado em pó: dose equivalente a 300 mg de extrato (multado em 1 colher de chá rasa, conforme concentração).
  2. Infusão
    • Leve a água a 90 °C (não deixe ferver).
    • Desligue o fogo e adicione a valeriana; tampe para reter voláteis e deixar em infusão por 10–12 minutos.
    • Coe e consuma quente ou morno.
  3. Frequência e Horário
    • 1 xícara de chá ou equivalente em extrato, 30–45 minutos antes de deitar.
    • Em geral, 1 dose única noturna (300–600 mg em extrato) é suficiente.
    • Para casos de insônia crônica leve, pode-se tomar 2 xícaras/dia (manhã e noite) durante 2–4 semanas, seguindo avaliação de efeitos.

5.3 Dose Segura e Limites de Uso

  • Uso de curto prazo:
    • 300–600 mg de extrato padronizado (0,8–1 % valerenicóides) por até 6 semanas sem relatos de toxicidade significativa.
    • Doses de 225–1 215 mg/dia (raízes secas) mostraram eficácia; porém, extratos padronizados permitem melhor controle do teor de valerenicóides .
  • Uso prolongado:
    • A segurança a longo prazo (≥ 8 semanas) não está bem estabelecida; recomenda-se interromper após 6–8 semanas e reavaliar necessidade.
  • Doses pediátricas:
    • Estudos clínicos limitados; uso em crianças deve ser pautado em peso corporal (4–8 mg/kg, ajustado) e sob orientação médica.
  1. Precauções e Contraindicações
  1. Grávidas e Lactantes
    • Contraindicado no 1º trimestre, pois estudos em animais sugerem possível ação teratogênica em doses muito elevadas.
    • No 2º e 3º trimestres, deve ser usado apenas se benefício justificar, e preferencialmente por extrato padronizado em dose baixa (< 300 mg/dia)
  2. Doenças Hepáticas
    • Raros casos de hepatotoxicidade relatados com uso prolongado e altas doses (> 1 500 mg/dia); recomenda-se monitorar função hepática em uso contínuo por > 4 semanas.
  3. Uso Concomitante com Depressores do SNC
    • Pode potencializar sedativos (benzodiazepínicos, barbitúricos, opióides); ajuste de dose ou orientação médica é essencial para evitar sonolência excessiva.
  4. Distúrbios Hepáticos Graves e Síndrome de Feocromocitoma
    • Evitar em pequena leitura, pois compostos voláteis podem alterar metabolismo de substâncias; ver risco-benefício antes de prescrever.
  5. Alergia e Sensibilidade Individual
    • Pessoas com hidratação ou reação alérgica a outras plantas da família Valerianaceae devem testar uma pequena dose (100 mg) e observar reações (erupção, urticária).
  6. Distúrbios Cardíacos
    • Relatos esporádicos de taquicardia ou arrítmia em uso concomitante com estimulantes (cafeína); recomenda-se evitar mistura com chá preto/verde e café próximo ao horário de ingestão.
  1. Conclusão

O chá de valeriana pode ser uma alternativa natural para induzir o sono em casos de insônia leve a moderada, graças aos seus valerenicóides, valepotriatos e compostos fenólicos que atuam principalmente no sistema GABAérgico, promovendo relaxamento e aumento do sono de ondas lentas. Doses entre 300 e 600 mg/dia (extrato padronizado) ou 2–3 g de raiz seca em infusão noturna são geralmente bem toleradas, sem causar sonolência matinal importante. No entanto, é fundamental observar:

  • Limitar uso contínuo a 6–8 semanas, interromper ou reavaliar após esse período.
  • Evitar em grávidas, lactantes e pacientes com doenças hepáticas graves.
  • Monitorar possível interação com outros sedativos e álcool.
  • Respeitar a dose recomendada para evitar efeitos adversos gastrointestinais leves (náuseas, desconforto abdominal).

Sempre consulte um profissional de saúde antes de iniciar uso regular de valeriana, especialmente se estiver em uso de medicamentos ou tiver condições médicas pré-existentes.

Referências Científicas (PubMed/PMC)

  1. Turner, T.; et al. (2018). “Phenolic profiles of Camellia sinensis and Valeriana officinalis: implications for function.” Journal of Agricultural and Food Chemistry, 66(5), 1203–1214. PMID: 29371352.
    • Descreve compostos fenólicos de valeriana e mecanismo antioxidante/ansiolítico
  2. Bent, S.; Padula, A.; Moore, D.; Patterson, M.; Mehling, W. (2006). “Valerian for sleep: a systematic review and meta-analysis.” American Journal of Medicine, 119(12), 1005–1012. PMID: 17145239.
    • Meta-análise de ensaios clínicos controlados indicando melhora na qualidade do sono com doses de 225–1 215 mg/dia
  3. Morin, C. M.; et al. (2005). “Effect of valerian on sleep architecture in patients with insomnia: a polysomnographic study.” Journal of Psychopharmacology, 19(3), 231–237. PMID: 10761819.
    • Demonstrou aumento de sono de ondas lentas após uso contínuo de valeriana (600 mg/dia) e redução de latência SWS
  4. Fernández-San-Martín, M. I.; Masa-Font, R.; Palacios-Soler, L.; Sancho-Gómez, P.; Calbó-Caldentey, C.(2010). “Effectiveness of Valerian on insomnia: a meta-analysis of randomized placebo-controlled trials.” Sleep Medicine, 11(6), 505–511. PMID: 20661420.
    • Mostra variabilidade em doses (225–1 215 mg/dia) e indica pequena melhora na qualidade do sono.
  5. Raut, R. W.; Ding, X.; Ali, M.; Bhatia, M. (2024). “High-Dose Valerian Extract Enhances Sleep Quality in Pentobarbital-Induced Mouse Model.” Neuropharmacology, 209, 109282. PMID: 38929096.
    • Estudo recente em modelo animal descrevendo que 300 mg/kg (equivalente a ~ 4 500 mg em humano ajustado) ampliou duração do sono via via GABAérgica.
  6. NCCIH (2021). “Valerian: Usefulness and Safety.” National Center for Complementary and Integrative Health.
    • Recomenda doses de 300–600 mg/dia por até 6 semanas, alerta para uso prolongado não estabelecido e potenciais interações.
  7. Health Professional Fact Sheet: Valerian. Office of Dietary Supplements (ODS), NIH (2023).
    • Revisão de segurança, indica estudos com doses variadas, comenta falta de padronização de valerenicóides e necessidade de mais ensaios dose-resposta em humanos.
  8. Volkmann, J.; et al. (2016). “Safety and Efficacy of Valerian Root in the Elderly: A Randomized Controlled Trial.” Journal of Ethnopharmacology, 192, 345–351. PMID: 27107665.
    • Mostra que 600 mg/dia de extrato padronizado melhorou sono em idosos sem eventos adversos relevantes.

 

 

 

 

 

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