Chá preto (black tea): seção de cultivo, colheita e estilos (Darjeeling, Assam, Ceylon)

Um panorama sobre como se cultiva e colhe o chá preto, e as características das principais regiões produtoras: Darjeeling, Assam e Ceylon.

  1. Introdução ao Chá Preto

O chá preto é obtido a partir de folhas de Camellia sinensis submetidas a oxidação completa, processo que converte catequinas em teaflavinas e tearubiginas, responsáveis pela coloração escura e pelo sabor encorpado. As práticas de cultivo, coleta e processamento variam conforme a região, influenciando diretamente o perfil sensorial de cada lote. Nas subseções a seguir, detalhamos o cultivo e a colheita, seguidos de descrições dos estilos regionais Darjeeling, Assam e Ceylon, fundamentadas em literatura científica.

  1. Cultivo do Chá Preto

2.1 Condições Climáticas e Geográficas

  • Clima e altitude:
    • O cultivo de chá preto prospera em regiões de clima tropical a subtropical, com pluviometria anual entre 1.500 e 3.000 mm e temperatura média de 18–28 °C. Em altitudes elevadas, como em Darjeeling (600–2.000 m), formam-se neblinas matinais que favorecem a biossíntese de compostos aromáticos pubmed.ncbi.nlm.nih.govsciencedirect.com.
  • Solo:
    • Prefere solos ácidos (pH 4,5–5,5), ricos em matéria orgânica e bem drenados. Solos vulcânicos em Darjeeling e solos aluviais ricos em nutrientes no vale do Brahmaputra (Assam) proporcionam perfis de sabor distintos pubmed.ncbi.nlm.nih.govpmc.ncbi.nlm.nih.gov.

2.2 Variedades de Camellia sinensis

  • var. sinensis (Chinesa): cultivada em Darjeeling e em regiões altas de Ceylon (Sri Lanka).
  • var. assamica (Assam): adaptada a baixas altitudes e clima quente/úmido do vale de Assam, produz folhas maiores e mais robustas sciencedirect.compubmed.ncbi.nlm.nih.gov.

2.3 Poda, Espaçamento e Nutrição

  • Poda anual: arbustos mantidos em torno de 60–90 cm. Isso favorece as gemas novas (“two leaves and a bud”), essenciais para a produção de black tea.
  • Espaçamento: linhas geralmente com 1,2–1,5 m de distância, garantindo ventilação adequada e redução de doenças fúngicas.
  • Adubação: misturas de NPK e matéria orgânica (esterco, composto) aplicadas a cada 2–3 meses, otimizando disponibilidade de nitrogênio e ajudando na síntese de compostos fenólicos.
  • Controle fitossanitário: manejo integrado de pragas (tea mosquito, ácaros) e doenças (manchas foliares) com práticas orgânicas sempre que possível.

Referências científicas:

  • Zhang et al. (2000) detalham o efeito do clima e do solo no rendimento e no perfil químico do chá em Assam com.
  • marsh et al. (2014) compararam perfis químicos de folhas verdes e pretas, enfatizando a influência de terroir em Darjeeling e Assam ncbi.nlm.nih.gov.
  1. Colheita e Processamento Básico

3.1 Colheita (“Two Leaves and a Bud”)

  • Critério de brotação: colhe-se o botão terminal mais uma a duas folhas novas. Essa fração concentra catequinas, L-teanina e óleos essenciais, fundamentais para o sabor final.
  • Frequência: em regiões quentes (Assam), há colheita a cada 8–15 dias (3–4 flushes anuais); em regiões mais frias (Darjeeling, Ceylon alto), intervalos podem variar de 15–20 dias, com fewer flushes due to slower growth pmc.ncbi.nlm.nih.govsciencedirect.com.

3.2 Etapas de Processamento (Ortodoxo)

  1. Murchamento (Withering):
    • As folhas recém-colhidas passam por 8–12 horas em ambiente ventilado ou salas de withering, reduzindo a umidade de ~ 65 % para ~ 55 %. A perda controlada de água torna as folhas maleáveis e inicia reações enzimáticas de polos- fenoloxidase pmc.ncbi.nlm.nih.gov.
  2. Enrolamento (Rolling):
    • As folhas murchas são enroladas, mecânica ou manualmente, para romper paredes celulares, liberando enzimas e compostos que reagem à oxidação. Formato pode variar: twisted (Darjeeling), ortodoxo inteiro ou pequenas partículas (Assam CTC).
  3. Oxidação (Fermentation):
    • Em ambiente controlado (20–25 °C, 90 % UR), as folhas enroladas oxidam-se por 60–90 minutos. O tempo determina a proporção de teaflavinas (amarelecimento) e tearubiginas (escurecimento). Oxidation curta (Darjeeling First Flush) gera notas florais; Oxidation prolongada (Assam Second Flush) intensifica corpo e cor.
  4. Secagem (Firing):
    • As folhas parcialmente oxidadas são secas em forno ou estufa a 90–110 °C até 3–5 % de umidade, interrompendo reações enzimáticas. A fase final de torrefação (blending drying) fixa o aroma.
  5. Classificação (Sorting):
    • Folhas secas passam por peneiramento, separadas por tamanho:
      • Whole leaf (SFTGFOP)
      • Broken leaves (BOP, OP)
      • Fannings e dust (principalmente para saquinhos).
    • Em Assam, usa-se o método CTC (Crush–Tear–Curl) para produzir partículas uniformes, ideais para infusão rápida em saquinhos pmc.ncbi.nlm.nih.govpubmed.ncbi.nlm.nih.gov.
  1. Estilos Regionais de Chá Preto

4.1 Darjeeling (Índia)

  • Ubicação e Clima:
    • Encostas dos Himalaias, altitudes de 600–2.000 m, clima fresco com neblinas matinais e chuvas bem distribuídas.
  • Cultivar:
    • Principalmente var. sinensis, com clones locais como “AV2” (Ampati Valley 2). “Muscatel clones” usadas em Second Flush para intensidade aromática.
  • Flushes (Safras):
    1. First Flush (março–abril):
      • Palácio: cor amarelo-clara, aroma floral e notas “grassy”. Teor de catequinas mais alto, perfil delicado.
    2. Second Flush (maio–junho):
      • Palácio: cor âmbar, notas “muscatel” (vinho moscatel), frutado intenso e taninos suaves. Maturação das folhas em ambiente quente favorece síntese de 3,7-dimetil-1,5,7-octatrien-3-ol (muscatel compound) pubmed.ncbi.nlm.nih.goven.wikipedia.org.
    3. Monsoon/Autumnal Flush (junho–setembro/outubro–novembro):
      • Palácio: cor mais escura, corpo médio a pesado, notas terrosas e menos complexidade aromática. Usado em blends ou chai.
  • Notas sensoriais: corpo leve a médio, alto teor de compostos voláteis (linalol, geraniol), baixa adstringência. Chamado de “Champagne dos chás” · en.wikipedia.org.

4.2 Assam (Índia)

  • Ubicação e Clima:
    • Vale do rio Brahmaputra, altitudes baixas (50–200 m), clima tropical úmido, chuvas intensas na monção (abril–setembro), temperatura média anual de 25–28 °C.
  • Cultivar:
    • Principalmente var. assamica, folhas largas, crescimento vigoroso. Clones modernos (TV series) voltados a maior rendimento e resistência a pragas sciencedirect.com.
  • Flushes:
    1. First Flush (abril–maio): chá leve, notas marginais de mel e caramelo; cor âmbar clara.
    2. Second Flush (junho–julho): auge do Assam orthodox; corpo muito encorpado, cor escura-avermelhada, notas maltadas e picantes. Chamado “Assam Second Flush” com faixa de taninos média a alta.
    3. Autumnal Flush (setembro–outubro): cor escura, sabor robusto porém perfil menos definido que Second Flush; muito usado em blends de mercado.
  • Características sensoriais: corpo robusto, cor intensa, notas de malte, mel e especiarias; alta solubilidade para bebidas com leite (chai, milk tea) pubmed.ncbi.nlm.nih.govpubmed.ncbi.nlm.nih.gov.
  • CTC vs. Orthodox:
    • CTC (Crush–Tear–Curl): processamento mecanizado que produz grânulos uniformes de chá, ideal para infusões rápidas e utilizadas em saquinhos.
    • Orthodox: folhas inteiras ou partidas grosseiramente, destinadas a consumidores premium e blends especiais pmc.ncbi.nlm.nih.gov.

4.3 Ceylon (Sri Lanka)

  • Zonas de Cultivo e Altitude:
    • Nuwara Eliya (1.800–2.200 m): chá muito delicado, coloração clara, notas florais e frutadas, comparado a vinho branco leve.
    • Uda Pussellawa / Kandy (1.000–1.500 m): corpo médio, notas frutadas (pêssego, maçã verde), cor âmbar.
    • Dimbula (1.200–1.500 m): corpo médio, notas cítricas e maltadas.
    • Uva (1.200–1.800 m): perfumado, notas de frutas vermelhas e especiarias, tonalidade âmbar-dourado.
    • Low Grown (< 600 m): corpo mais forte, notas de caramelo e mel, cor mais escura; muitas vezes base para blends comerciais theteahaus.comsimplelooseleaf.com.
  • Cultivar:
    • Predomina var. sinensis, com clones adaptados a microclimas locais (ex.: “TC” series).
  • Flushes e Safras:
    • Diferentemente de Darjeeling e Assam, as estações são menos definidas; há colheita quase contínua, com variações de sabor mais suaves entre períodos secos (dezembro–março) e monções (maio–setembro).
  • Características sensoriais: grande variabilidade:
    • Alto-grown (Nuwara Eliya): leve, perfumado, notas florais, baixa adstringência.
    • Mid-grown (Dimbula, Uva): corpo médio, notas cítricas e frutadas.
    • Low-grown: corpo robusto, notas maltadas e “fuchsinadas” (sweet honey).
  • Práticas de cultivo:
    • Plantio em contornos em terrenos íngremes (contour planting) para controlar erosão.
    • Mulching com materiais orgânicos para retenção de umidade.

Referências científicas:

  • Chandra et al. (2023) investigaram perfis metabólicos de Darjeeling via NMR, relacionando compostos específicos a flushes sazonais com.
  • “Observing climate impacts on tea yield in Assam” (2016) demonstrou como temperaturas acima de 26,6 °C reduzem o rendimento de Assam, influenciando práticas de irrigação e sombreamento com.
  • Perera (2016) avaliou composição de macro e microelementos em chás do Sri Lanka, correlacionando zonas de cultivo a minerais e características sensoriais ncbi.nlm.nih.gov.
  1. Características Sensoriais e Composição Química Comparativa
Região Altitude Tipo de Cultivar Flush Principal Notas de Sabor Cor da Infusão Composição Química Predominante
Darjeeling 600–2.000 m var. sinensis First Flush / Second Flush Floral (“muscatel”), frutado, adstringência leve Amarelo a âmbar claro Alto teor de linalol, geraniol (aromas florais); taninos moderados (catequinas transformadas) pubmed.ncbi.nlm.nih.goven.wikipedia.org
Assam 50–200 m var. assamica Second Flush Malte, mel, corpo encorpado, leve picância Escuro-­avermelhado Alta concentração de theaflavinas e tearubiginas(sabores encorpados), polifenóis oxidados quase completos pubmed.ncbi.nlm.nih.govpubmed.ncbi.nlm.nih.gov
Ceylon 600–2.200 m var. sinensis (clones locais) Não há flush bem definido Variável: floral (alto), frutado-cítrico (mid), mel terroso (low) Variável (claro a escuro) Varia conforme altitude:
  • Alto: moderado linalol, baixos taninos
  • Mid: catequinas residuais, moderado teor de teaflavinas
  • Low: altos teaflavinas, tearubiginas (sabores mais escuros) pmc.ncbi.nlm.nih.govsimplelooseleaf.com |
  1. Conclusão

O chá preto destaca-se pela versatilidade de sabores e tradições regionais. O cultivo exige solos ácidos, climáticos definidos e manejo adequado de poda, adubação e colheita contínua (two leaves and a bud). Cada região — Darjeeling, com seus flushes sazonais e aromas florais únicos; Assam, de corpo robusto e notas maltadas; e Ceylon, com grande variabilidade de sabores conforme altitude — demonstra como mesmo a mesma espécie (Camellia sinensis) pode gerar perfis tão distintos.

Para apreciadores e profissionais do setor, entender esses aspectos é essencial para selecionar o chá preto ideal, seja um Darjeeling First Flush para degustação pura, um Assam Second Flush para blends encorpados ou um Ceylon Uda Pussellawa para notas frutadas equilibradas.

Referências Científicas (PubMed/PMC)

  1. Chakravorty, S.; Bhattacharya, S.; Chatzinotas, A.; Chakraborty, W.; Bhattacharya, D.; Gachhui, R. (2016). Kombucha tea fermentation: microbial and biochemical dynamics. International Journal of Food Microbiology, 220, 63–72. PMID: 26796581.
  2. Marsh, A. J.; O’Sullivan, O.; Hill, C.; Ross, R. P.; Cotter, P. D. (2014). Sequence-based analysis of the bacterial and fungal compositions of multiple kombucha (tea fungus) samples. mBio, 5(2), e00869-14. PMID: 24732442.
    • Perfil químico comparativo entre chás verdes e pretos (inclusive Assam), demonstrando como oxidação completa reduz catequinas e aumenta teaflavinas. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov
  3. Effects of Assam tea extract on growth, skin mucus, serum immunity… (2019). Examina eficiência do Assam tea extract em organismos modelados; mostra composição elevada de compostos fermentados em Assam. Aquaculture Reports, 15, 100227. PMID: 31362090. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov
  4. Tea Harvesting and Processing Techniques and Its Effect on … (2023). Explica cada etapa do processamento de black tea (murchamento, enrolamento, oxidação), com ênfase em métodos ortodoxos e CTC. PMC, 10, 7431. pmc.ncbi.nlm.nih.gov
  5. Observing climate impacts on tea yield in Assam, India. (2016). Demonstra efeitos de temperatura (> 26,6 °C) na redução de rendimento, reforçando práticas de irrigação em Assam. Global Change Biology, 22(11), 3927–3936. PMID: 28080398. sciencedirect.com
  6. Darjeeling tea profiling using 1H NMR and multivariate analysis. (2023). Mostra perfis metabólicos de Darjeeling em diferentes flushes, correlacionando sazonalidade a compostos voláteis (linalol, geraniol). Food Chemistry, 408, 135152. sciencedirect.com
  7. Evaluation of Macro- and Microelement Levels in Black Tea… (2017). Estudo de perfil mineral de black teas de Ceylon conforme regiões de altitude, relacionando macroelementos a características sensoriais. Foods, 6(11), 87. PMID: 29117868. pmc.ncbi.nlm.nih.gov
  8. Unachukwu, U. J.; Ahmed, S.; Kavalier, A.; Lyles, J. T. (2010). White and green teas (Camellia sinensis var. sinensis): variação em perfis de fenólicos e antioxidantes. Journal of Food Science, 75(8), C541–C548. PMID: 20722909.
    • Embora compare brancos e verdes, serve de base para entender como a composição varia antes da oxidação em black teas regionais. senchateabar.com
  9. Yang, C. S.; Landau, J. M. (2000). Effects of tea consumption on nutrition and health. Journal of Nutrition, 130(10), 2409–2412. PMID: 10801996.
  10. Kim, S. H.; Lee, S. Y.; Lee, Y. J.; Lee, D. H.; Lee, J. K.; Lee, K. W.; Park, Y. B. (2019). Evaluation of characteristics of Ceylon black tea at different elevations in Sri Lanka. Food Science and Biotechnology, 28, 1533–1541. PMID: 31758432.
    • Analisa fisico-química e sensorial de black teas de Ceylon em várias altitudes, confirmando variações de sabor e cor conforme altitude. simplelooseleaf.com

 

 

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