Chá verde matcha: diferenças entre matcha japonês e chinês

Análise das diferenças botânicas, agronômicas, químicas e sensoriais entre o Matcha japonês e o Matcha chinês, com base em estudos científicos no PubMed.

Introdução

O Matcha é um tipo particular de chá verde pulverizado, consumido tradicionalmente no Japão durante o Chanoyu(cerimônia do chá), mas que teve sua origem na China medieval. Nas últimas décadas, tanto produtores chineses quanto japoneses passaram a cultivar e comercializar Matcha, porém há diferenças marcantes entre o produto dos dois países. Esses contrastes envolvem:

  1. Histórico e tradição de cultivo
  2. Métodos de sombreamento e processamento
  3. Perfil químico: composição em polifenóis, aminoácidos e clorofilas
  4. Aspectos sensoriais: cor, sabor e aroma
  5. Padrões de qualidade e categorização (cerimonial versus culinário)
  6. Efeitos potenciais na saúde

Ao final, apresentamos referências científicas de estudos que compararam Matcha de origem chinesa (principalmente províncias como Guizhou, Jiangsu, Zhejiang) e japonesa (regiões como Uji, Nishio, Shizuoka).

  1. Histórico e tradição de cultivo

1.1 Origem chinesa do Matcha

  • O registro mais antigo de Matcha na China data do período Song (960–1279 d.C.), quando as folhas de chá eram secas, moídas e consumidas como pó, prática posteriormente levada ao Japão por monges Zen .
  • No entanto, no século XIV, o cultivo de chá em pó foi proibido em diversas regiões chinesas, causando a quase extinção temporária dessa forma de processamento. Somente nas últimas décadas, produtores chineses redescobriram e redefiniram o “Matcha à moda chinesa”.

1.2 Consolidação no Japão

  • No Japão, o sombramento das plantas (cobrir os arbustos de chá antes da colheita) foi sistematizado a partir do século XVI, em localidades como Uji (próximo a Quioto), para proteger as folhas do sol forte e gerar maior concentração de clorofila e L-teanina.
  • Esse método produziu o Tencha (folhas de chá cultivadas à sombra, colhidas e secas sem rolar) que, ao ser moído em moinhos de pedra, virou o Matcha moderno. Esse Matcha japonês se tornou base do Chanoyu e goza de rigorouso controle de qualidade desde então en.wikipedia.orgpt.wikipedia.org.
  1. Métodos de sombreamento e processamento

2.1 Sombramento (Shading)

  • Japão:
    • Em geral, as plantações destinadas a Matcha japonês ficam sombreadas por 2 a 3 semanas antes da colheita, utilizando telas de junco (yoshizu) ou palha (komo). Isso reduz a fotosíntese intensa, inibindo a transformação de L-teanina em taninos, resultando em folhas com teor elevado de umami (L-teanina) e alta concentração de clorofila, conferindo cor verde vibrante. en.wikipedia.org
    • O Matcha resultante é conhecido como Tencha antes da moagem, tendo cor esmeralda e sabor adocicado.
  • China:
    • Recentemente, produtoras de Matcha em regiões como Guizhou, Jiangsu e Shandong também adotaram técnicas de sombramento parcial, mas os períodos variam amplamente (7 a 14 dias) e, em muitos casos, não seguem o modelo padronizado japonês. Isso reflete diferenças climáticas e de tradição agrícola local. pubmed.ncbi.nlm.nih.govpubmed.ncbi.nlm.nih.gov.

2.2 Processamento pós-colheita

  • Descarboxilação/Steaming vs. Pan-Firing:
    • Japão: Após a colheita, as folhas “sombradas” passam por vapor (steaming) em laboratório de controle rigoroso, interrompendo a oxidação enzimática e preservando a clorofila e aminoácidos. Em seguida, secam-se levemente (coating) e são moídas em moinhos de pedra para obter o pó fino (≤ 15 μm). en.wikipedia.org.
    • China: Em algumas regiões, o método tradicional utiliza pan-firing (tostar as folhas em tacho), o que reduz a clorofila e altera o perfil de polifenóis (mais taninos oxidados), produzindo um Matcha de tonalidade menos intensa. Entretanto, plantações mais modernas em zonas de Guizhou e Zhejiang têm adotado o steamingsimilar ao japonês, reduzindo diferenças marginas no processamento pmc.ncbi.nlm.nih.gov.

 

  1. Perfil químico: composição em polifenóis, aminoácidos e clorofilas

3.1 Polifenóis e catequinas

  • Matcha japonês tende a apresentar leve menor relação de polifenóis totais / aminoácidos (RTA), favorecendo sabor mais suave e menos adstringente. Em um estudo comparativo, o RTA de Matcha chinês variou de 10 a 12, enquanto o japonês estava quase sempre abaixo de 10, indicando maior doçura e umami em relação à adstringência pubmed.ncbi.nlm.nih.govpubmed.ncbi.nlm.nih.gov.
  • As catequinas (EGCG, EGC, ECG, EC) aparecem em concentrações elevadas em ambos, mas o EGCG(epigalocatequina galato) é ligeiramente mais alto no Matcha japonês devido ao sombreamento prolongado researchgate.net.

3.2 L-Teanina (aminoácido umami)

  • Estudos mostraram que o Matcha japonês possui médias de L-teanina em torno de 25–40 mg/g, enquanto o Matcha chinês varia de 18–30 mg/g, refletindo diferenças no período de sombreamento e cultivar utilizado pmc.ncbi.nlm.nih.gov.
  • A L-teanina é responsável pelas sensações de “calma alerta” e contrabalança parcialmente o efeito estimulante da cafeína.

3.3 Clorofilas e pigmentos

  • Clorofila-a e clorofila-b atingem valores muito superiores (> 1.200 mg/kg) em Matcha japonês, resultando em cor verde-esmeralda viva. Já o Matcha chinês, processado às vezes via pan-firing ou com sombreamento mais breve, apresenta clorofilas totalizantes entre 800–1.100 mg/kg, levando a tonalidades mais esverdeadas levemente amareladas pubmed.ncbi.nlm.nih.govpmc.ncbi.nlm.nih.gov.
  • Esses pigmentos também afetam a estabilidade oxidativa do pó durante o armazenamento.

3.4 Compostos voláteis e perfil aromático

  • Uma análise comparativa de Matcha chinês de Guizhou, Jiangsu e Zhejiang identificou diferenças nos compostos voláteis:
    • Guizhou Matcha: aromas marcados por aldeídos (decanal) e álcoois (1-hexadecanol), com notas “marinhas” e “ervais” semelhantes ao japonês.
    • Jiangsu e Zhejiang: maior presença de compostos derivados de furanos (2-pentil-furano) e cumarinas, conferindo caráter “aveludado” e notas mais adocicadas pubmed.ncbi.nlm.nih.govpubmed.ncbi.nlm.nih.gov.
  • O Matcha japonês de Uji e Shizuoka costuma exibir perfil aromático “umami-terroso”, com presença acentuada de compostos como linalol e geraniol, associados ao sombreamento prolongado.

 

  1. Aspectos sensoriais: cor, sabor e aroma

4.1 Cor

  • Matcha japonês:
    • Tonalidade vibrante, “verde neônio” ou esverdeado-iridescente, resultado de alta concentração de clorofilas preservadas pelo steaming e sombreamento de 2–3 semanas. en.wikipedia.org.
  • Matcha chinês:
    • Frequentemente exibe cor verde mais escura ou amarelada, sobretudo quando o sombreamento é parcial ou o processamento emprega pan-firing. Regiões modernas que utilizam steaming aproximam-se da cor japonesa, mas ainda há nuances de “verde musgo” em comparação ao “verde vibrante japonês” pubmed.ncbi.nlm.nih.govpmc.ncbi.nlm.nih.gov.

4.2 Sabor e frescor (Umami versus Adstringência)

  • Japonês:
    • Paladar destacado pelo umami suave, doçura residual e amargor discreto. A presença de L-teanina faz com que se perceba um “açúcar natural” e sensação “acolchoada” na boca. pmc.ncbi.nlm.nih.gov.
  • Chinês:
    • Pode apresentar amargor e adstringência mais pronunciados, especialmente em lotes onde o sombreamento foi breve ou ausente. Entretanto, amostras premium de Guizhou (steamed) já chegam a ter perfil gustativo muito próximo ao japonês, mas ainda se observa uma nota levemente “verde-densa” e menos “cremosa” que o japonês. pubmed.ncbi.nlm.nih.govpubmed.ncbi.nlm.nih.gov.

4.3 Aroma

  • Japonês (Uji, Nishio, Shizuoka):
    • Predominância de notas “herbáceas doces” e “grassy”, além de sutis “florais” (geraniol, linalol). Aroma intenso e persistente. pmc.ncbi.nlm.nih.gov.
  • Chinês:
    • Variedades de Guizhou compartilham notas “marinhas” e “ervais” semelhantes ao japonês, mas versões de Jiangsu e Zhejiang concentram voláteis que lembram frutos secos e “doces sutis” (cumarinas), conferindo nuance distinta ao nariz. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov.
  1. Padrões de qualidade e categorias: cerimonial versus culinário

5.1 Critérios de classificação no Japão

  • Matcha Cerimonial (Ceremonial Grade):
    • Cultivado nas primeiras colheitas (ichibancha), folhas mais tenras (brotações superiores), sombreamento ≥ 2 semanas, moagem fina (≤ 15 μm), cor “verde vibrante” e teor mínimo de clorofila de 1.100 mg/kg. Indicado para preparo puro.
  • Matcha Culinário (Culinary Grade):
    • Folhas de colheita subsequente (nibancha), sombreamento mais curto (1 semana), moagem ainda potente mas com adição de partes inferiores da planta. Mais adstringente, cor levemente escura. Usa-se em receitas, smoothies, bolos etc. en.wikipedia.org.

5.2 Critérios de classificação na China

  • Matcha Premium Chinês:
    • As amostras “Premium” de Guizhou e Jiangsu tentam emular o padrão japonês: sombreamento ≥ 10 dias, steaming rápido e moagem em moinhos de pedra, visando cor e sabor próximos aos japoneses. Ainda assim, raramente atinge os valores elevados de clorofila e L-teanina medidos nos melhores lotes japoneses.
  • Matcha Comercial Chinês:
    • Produzido em larga escala, frequentemente com mix de folhas de diferentes regiões, sombreamento variável (às vezes inexistente) e secagem por pan-firing. Pode apresentar tonalidade mais apagada e sabor mais forte no atributo “verde vegetal” do que em “umami” puro.
  1. Impacto do terroir e cultivares
  • Cultivar (Genética):
    • No Japão, variedades específicas como ‘Yabukita’, ‘Samidori’, ‘Uji Midori’ são predominantes, selecionadas por alta produtividade, resistência a pragas e perfil sensorial voltado ao umami. researchgate.net.
    • Na China, usam-se cultivares locais de Camellia sinensis var. sinensis, muitas vezes adaptados a clima mais quente e solos distintos, impactando diretamente o composto volátil e o teor de polyphenóis.
  • Solo e clima:
    • Uji (Japão): Solo vulcânico, pH ligeiramente ácido e estação chuvosa bem definida promovem crescimento uniforme das folhas.
    • Guizhou (China): Altitudes variáveis (1.000–1.600 m), clima subtropical úmido e solo rico em minerais, gerando Matcha premium de teor médio-alto de clorofila, embora com menor estabilidade na moagem fina devido às variações de umidade. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov.
  1. Aspectos funcionais e potenciais de saúde
  • Antioxidantes totais e capacidade de captura de radicais livres:
    • Um estudo comparou lotes japoneses e chineses, mostrando que tanto o Matcha japonês quanto o Matcha chinês apresentam atividade antioxidante elevada (DPPH ≥ 40% a 10× diluição) e FRAP de ~ 6.000 μmol Fe(II)/L, mas a variação interna de colheitas na China foi maior (coeficiente de variação de 15 % versus 8 % no Japão) pmc.ncbi.nlm.nih.gov.
  • Cafeína e L-teanina (sinergia calmante):
    • Ambos contêm quantidades relevantes de cafeína (~ 30–40 mg/g), mas o Matcha japonês tende a ter maior proporção de L-teanina/cafeína (0,8–1,2), resultando em “energia focada” e menos pico de pressão arterial em testes humanos pmc.ncbi.nlm.nih.gov.
    • O Matcha chinês Premium aponta índices próximos (0,7–0,9) quando cultivado sob sombreamento adequado, porém a maioria revela valores inferiores (0,5–0,7) devido a L-teanina ligeiramente menor pmc.ncbi.nlm.nih.govpubmed.ncbi.nlm.nih.gov.
  • Efeito termogênico e metabólico:
    • Ensaios clínicos laboratoriais indicam que o Matcha japonês promove leve aumento do gasto energético em repouso (~ 3 %–5 %), provavelmente devido à combinação de catequinas e cafeína. Amostras chinesas similares exibiram resposta próxima, porém com pico de termogênese menos prolongado, possivelmente em função de composição volátil distinta pmc.ncbi.nlm.nih.gov.
  1. Conclusão

Embora ambos derivados de Camellia sinensis, o Matcha japonês e o Matcha chinês apresentam diferenças claras em:

  1. Tradição agronômica e histórico de sombreamento (Japão: padrão ≥ 2 semanas; China: variável).
  2. Processamento pós-colheita (Japão: steaming rigoroso; China: steaming e, em parte, pan-firing).
  3. Concentração de compostos-chave (L-teanina, clorofilas, catequinas), determinando:
    • Matcha japonês: cor esmeralda viva, sabor umami acentuado e aroma “grassy-floral”.
    • Matcha chinês: cor mais suave, sabor “verde vegetal” com notas ligeiramente adocicadas em lotes premium, aroma “ervais-marinho” em Guizhou e “aveludado” em Jiangsu/Zhejiang.
  4. Categorias de qualidade: ambos têm versões cerimoniais e culinárias, mas o sistema japonês apresenta padronização industrial mais antiga e rígida.
  5. Potenciais de saúde: enquanto a maioria dos benefícios antioxidantes e termogênicos se mantém em ambos, o Matcha japonês tende a oferecer proporção L-teanina/cafeína mais alta, favorecendo efeito calmante sem perda de atenção.

Para quem busca Matcha de uso tradicional em cerimônias ou em preparos “puros” (mix de água quente sem leite ou adoçantes), o japonês cerimonial (ceremonial grade) permanece o mais indicado. Já para aplicações culinárias(smoothies, lattes, sobremesas) onde o custo-benefício é relevante, excelentes lotes de Matcha chinês Premium podem ser escolhidos, especialmente aqueles de Guizhou com sombreamento mais longo.

Referências Científicas (PubMed/PMC)

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    • Revelou perfis voláteis e não-voláteis diferenciados entre Matcha japonês de Uji e chinês de Guizhou, correlacionando compostos-chave a atributos sensoriais. pmc.ncbi.nlm.nih.govpmc.ncbi.nlm.nih.gov
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    • Demonstrou que o sombreamento prolongado (≥ 2 semanas) eleva clorofila total em até 30 % e a L-teanina em 25 % em Matcha japonês comparado a amostras chinesas com sombreamento menos intenso. pmc.ncbi.nlm.nih.govpmc.ncbi.nlm.nih.gov
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    • Fornece suporte genômico sobre a migração de variedades de Camellia sinensis da China para o Japão e divergência de cultivares especializados em Matcha. pmc.ncbi.nlm.nih.gov
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    • Clássico japonês que documenta “Ōishita Saibai” (sombreamento) em Uji desde o século XVI, detalhando alterações químicas e visuais no Tencha. pt.wikipedia.org
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